O uso de dados hoje em dia ocupa um grande espaço nos debates sobre marketing, comunicação e a condução dos negócios de uma empresa ou organização. Mas pouca gente se lembra de um detalhe: o ser humano sempre foi data-driven, da maneira que dava pra ser de acordo com cada estágio da nossa evolução.
Tomar decisões com base em dados não é exatamente uma novidade para o homo sapiens sapiens — nome completo da nossa subespécie, algo como “o homem que sabe o que sabe”. E, não à toa, estamos aí, sobrevivendo há mais de 300 mil anos.
Quer um exemplo? Abaixo, uma das versões mais primitivas dessa lógica:
O rastro de um animal é um dado. Uma informação que orienta a caça. Sem aprender a reconhecer esse dado e a interpretá-lo, não teríamos chegado aonde chegamos como espécie. E desde esse passado tão remoto não paramos de coletar e interpretar dados. Só fomos ficando mais sofisticados.
As estrelas no céu, por muito tempo, foram o grande banco de dados que guiou decisões como no caso das navegações, que possibilitaram que o mundo se interligasse. Depois, os mapas cartográficos passaram a registrar informações sobre as correntes e os ventos, permitindo planejar melhor uma expedição.
Em outra época, sonares e radares auxiliaram operações militares. Dessa mesma seara veio o GPS, recurso sem o qual muita gente hoje não consegue nem chegar em casa. Outra herança da guerra, a máquina de raio-X deu acesso a dados cruciais para a tomada de decisões em tratamentos médicos. No entanto, até hoje não existe diagnóstico completo sem dados de exames.
Isso sem falar na própria linguagem, na escrita, nas leis e tudo que organiza nosso entendimento da realidade. Em suma, a história do uso de dados se confunde com a nossa própria.
Emoção: a nova fronteira para o Homo Sapiens Datum
Minha brincadeira com a taxonomia do ser humano contemporâneo — a nossa subespécie, como eu citei lá em cima, é Homo sapiens sapiens — é uma provocação sobre os possíveis limites para a nossa interpretação da realidade. Afinal, se estamos evoluindo há mais de 300 mil anos, será que podemos dizer que já podemos traduzir a própria experiência humana em um conjunto de dados?
A internet das coisas está aí não é de hoje, gerando uma fonte inesgotável de dados sobre as mais diversas interações que um ser humano pode ter no seu cotidiano. Milhares (até milhões?) de informações, todos os dias, a respeito de uma única pessoa.
Mas o volume de dados não significa, necessariamente, qualidade ou empregabilidade, até. É aí que está o grande desafio: transformar esses dados, cada vez mais complexos e sutis, em conhecimento. E, depois, em ação.
Nessa missão, temos que entender que, por trás dos dados, existe o comportamento humano e as razões nem tão claras por trás dele. Humanos não são fáceis de compreender.
A antropóloga americana Margaret Mead tem uma citação que traduz bem a natureza errática da nossa espécie: “O que as pessoas dizem, o que as pessoas fazem e o que as pessoas dizem que fazem são coisas inteiramente diferentes”.
Outro autor que se aprofundou neste tema foi Richard Thaler, Nobel de economia de 2017. Em seu livro Misbehaving (2019), ele discorre a fundo sobre a ciência da Economia Comportamental. Na prática, as decisões que tomamos são bem mais irracionais, estranhas e subjetivas do que gostaríamos de imaginar e, por isso, difíceis de serem previstas quando olhamos apenas os números. Logo, a importância de balancear estatística e psicologia.
Alguns conceitos que explicam como isso ocorre:
- Aversão à perda: pressão pela escassez que te empurra a comprar;
- Dominância assimétrica: 3 argumentos; 5 passos, 10 mandamentos, são exemplos disso;
- Contabilidade Mental: matemáticas compensatórias para nos convencer de algo que queremos;
- Efeito Manada: seguir o que todos fazem pelo medo de ficar de fora.
Para podermos identificar esses comportamentos, o grande desafio de compreender os dados está em encontrar química entre razão e emoção. Razão para cruzarmos matemática e estatística avançada na base de dados para modelar comportamentos e as escolhas humanas. E emoção, para entender as influências psicológicas, emocionais, conscientes e inconscientes que existem.
E desta forma, ser data-driven (ou Homo Sapiens Datum, continuando a brincadeira) nos dias de hoje (e cada vez mais, conforme a tecnologia avança) é ter a capacidade de prever a irracionalidade humana.
Já existem alguns esforços, e não é de hoje, no sentido de captar e interpretar as emoções humanas sob uma ótica de análise de dados e de maneira cada vez mais acessível. Este artigo traz um dos muitos exemplos disso.
No entanto, saltar de uma análise individual (ou mesmo coletiva, direcionada a um grupo específico de pessoas em determinada situação, em um recorte de tempo) para conseguir colocar fatores como os que listei acima (efeito manada, aversão à perda etc.) na conta é outra história. Talvez se (ou quando) tivermos sensores em cada device que uma pessoa usa em seu dia a dia, essa mensuração do sentimento possa se tornar uma nova camada de informação à disposição de empresas e organizações que queiram enriquecer suas interações com seus clientes. Se pensarmos nos smartwatches e outros wearables, não estamos tão distantes assim dessa realidade.
Porém, mesmo assim, outros desafios surgirão. Como interpretar determinado conjunto de sinais vitais para aferir que uma pessoa está inclinada a comprar por impulso, por exemplo? Ou que ela está em pleno “efeito manada” e irá vender ações de uma companhia porque acabou de ver uma notícia negativa sobre a empresa?
Não há dúvidas de que existe um caminho aí. E, definitivamente, as empresas líderes em seus segmentos já estão estudando isso em seus laboratórios de tecnologia, com equipes multidisciplinares que incluem não só matemáticos, estatísticos e cientistas de dados, mas também psicólogos, antropólogos, médicos e por aí vai. Ainda deve levar um tempo até que esse tipo de solução seja comercialmente viável e esteja à disposição de um público maior (da mesma forma que a própria análise de dados hoje já conta com soluções que podem ser operadas por um “leigo”, ou que os wearables passaram de peça de ficção para o nosso cotidiano). Mas é muito provável que esse dia chegue, e logo.
Como se preparar desde já?
Bem, quem ainda não começou nem a analisar dados, evidentemente está atrasado. Começar por aí é imperativo. E depois, bem, como tentei mostrar nesse texto, existem outras tantas áreas de conhecimento que deverão ser percorridas. Arrisco dizer que, assim como hoje está sendo normalizado o Cientista de Dados, surgirão novas carreiras, como o Psicólogo de Dados, o Médico de Dados e daí por diante.
Se para você, que está lendo este artigo, parecer que é tarde demais para se tornar um desses profissionais, não tema. Primeiro que sempre há tempo. Segundo, é claro que haverá uma corrida por estes novos especialistas, como têm sido com os Data Scientists, mas um negócio não se faz apenas com tecnologia de ponta. É preciso pessoas que estejam abertas para lidar com a inovação e colocar os recursos mais atuais a serviço dos objetivos da empresa. Afinal, nem todo mundo numa Coca-Cola da vida é Data Scientist ou Engenheiro de Software. O diferencial, acredito eu, é saber navegar por essa nova realidade e estar aberto a usar novos recursos, quando forem úteis. E isso vale para qualquer profissão ou setor.
E você? Está empolgado com mais esse desafio? Por qual desses caminhos quer seguir?
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Na próxima semana farei mais um review com depoimento e resenha sobre “Homo Sapiens Datum”: é possível prever a irracionalidade humana com dados?. Espero ter ajudado a esclarecer o que é, como usar, se funciona e se vale a pena mesmo. Se você tiver alguma dúvida ou quiser adicionar algum comentário deixe abaixo.
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